Blogia
cartasmidiasemmascara

Carta do dia 29.03.2007

Daniel Pipes e um certo alarmismo

Das três opções, as mais possíveis são as duas primeiras. Esse negócio de dizer que o mundo ocidental não sobreviverá ao século XXI, e boa parte irá efetivamente desapareceré um tremendo exagero. Kamal Ataturk, por exemplo, enquadrou o islamismo num esquema político muito parecido com o do modelo ocidental lá na Turquia. Pipes tem certa razão em temer, porque o islão, definitivamente, não é uma religião que se baseia apenas numa esperança de paraíso vindouro nem se restringe a um status personalis. Veja o que disse o filósofo Saiyyd Qutb, numa passagem do livro O Islã, a Religião do Futuro: Essa religião, portanto, não é uma mera crença emocional, desligada do domínio atual da vida humana, como se qualquer religião divina pudesse ser puramente emocional e exclusiva. Não são os rituais mínimos de culto que os crentes, coletiva ou individualmente praticam que os fazem alcançar uma quantidade módica de fé. NEM O ISLÃ É LIMITADO A SER UMA ORIENTAÇÃO PARA OUTRA VIDA para se conseguir a eterna morada, enquanto HÁ OUTROS MEIOS DE SE CONSEGUIR O ÉDEN TERRESTRE ALÉM DOS MEIOS RELIGIOSOS. (destaques meus em caixa alta). Justificado o temor do orientalista, há que se fazer algumas ressalvas. Primeira delas. Se se pretende barrar a ascensão islâmica, é muito mais do que óbvio que será necessário a vivificação do cristianismo, coisa que por certo não é da alçada de um intelectual, mas seria de bom alvitre Daniel Pipes chamar à responsabilidade os que detêm poder decisório em questões doutrinárias dentro da religião cristã, para rever o que há de errado nela. A segunda ressalva seria a da estratégia a ser utilizada. Tanto em À sombra do Alcorão como nos demais livros escritos por Saiyyd Qutb, fica claro que este filósofo islâmico se utilizou da dialética marxista para formatar seu sistema de crenças, por exemplo: quando se ouve dizer que Frei Galvão será canonizado santo, ou seja, intermediário entre Deus e os homens, filosófico-islamicamente poder-se-ia dizer de que se trata de um claro flagrante de adoração do homem pelo homem, algo pavoroso, tanto para muçulmanos quanto para judeus. Estes, só como exemplo, durante quatro milênios procuraram deixar seu sistema de crenças intacto, blindando-o contra inovações que por certo iriam transformar o judaísmo. Isso não aconteceu com o cristianismo, porque além da influênica pagã romana, o intelectual fariseu conhecido como apóstolo Paulo encarregou-se de introduzir outra doutrina dentro da doutrina cristã, comportamento muito característico de pensadores que não querem apenas interpretar o mundo, mas transformá-lo. Um detalhe, também, acredito importante, é a vivificação do orgulho. Nos indivíduos constitui defeito de caráter, aplicado ao coletivo torna-se virtude. Consideremos os ingleses, por exemplo. Os elementos que orientam a sua história, podem ser resumidos em poucas linhas: culto do esforço persistente, que impede de recuar diante do obstáculo e de considerar uma desgraça como irremediável; respeito religioso e de tudo que é válido pelo tempo; necessidade de ação e desdém das vãs especulações do pensamento; desprezo da fraqueza, muito intensa compreensão do dever, vigilância de si mesmo julgada como qualidade essencial e entretida cuidadosamente por especial educação, sem falar que, para se destruir uma cultura, é necessário derrubar a força do hábito. Quem, acostumado a rezar de joelhos e em silêncio passsaria, de uma hora para outra, a fazer cinco genuflexões castrenses todo dia?


Antônio Carlos de Oliveira

0 comentarios