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Carta do dia 22/02/2005

Sobre catolicismo e nossa sociedade
enviada em 22/02/2005

Prezado Sr. Nivaldo Cordeiro,

É animador ver o exemplo do Sr. Olavo de Carvalho frutificar, com cidadãos, como o senhor, comprometidos com nossa liberdade, trazendo a público razão e luz democrática nesse momento tão sombrio por que passa nosso continente.

Anima-me ainda, ao discordar do senhor, o cavalheirismo com que trata o Sr. Kannitz, cuja obra tenho profundo respeito. Ainda não consegui discordar do Sr. Kannitz, talvez por não ter acesso a todos seus artigos, mas o que o senhor cita, quanto a questão do catolicismo e inquisição, procurarei conhecer, pois a princípio parece ser diferente de minha forma de ver nossa cultura. Seria bom discordar, pois só assim a debate e crescimento. Ainda assim, gostaria de expor ao senhor, como protestante desde o berço, os paralelos que vejo entre o modo de ser da religião católica, pela qual tenho profundo respeito, e vários aspectos culturais, os quais têm por décadas custado nosso melhor esforço em superar. Peço desculpas pela falta de elaboração ou maior argumentação, uma vez que esta resposta e espontânea, e traz idéias ainda não de todo desenvolvidas ou fundamentadas.
Mas, se me permite, vamos a exposição:

- A instituição do apadrinhamento:

Temos uma cultura de procurar autoridades que resolvam problemas, tais como deputados ou vereadores ou outras subalternas ou nem tanto. Parece-me muito correlata a intercessão que se pede aos santos católicos por seus fieis e devotos. Que simplesmente não existe no meio evangélico protestante.

- A tentativa de resolver problemas com a lei pelo mesmo meio:

Vejo como fruto de três características da fé católica. A já citada intercessão pedida aos santos, também a crença de que orações pelos mortos podem os livrar de seus pecados e a não adoção da Bíblia como ultima fonte de fé e pratica. Aos protestantes, vale absolutamente a Bíblia e as decisões que cada individuo toma em relação a mesma e para com Deus, Justo Juiz.

- A tradição ditatorial de nosso pais:

Enquanto o Papa escolhe o Bispo, que escolhe o Pároco, e tem plenos poderes de ignorar a congregação, e até a fechar, caso não concorde. É sólida tradição no meio protestante que a congregação escolha o pastor, e a que comunidade pertencer, e mesmo a qual sínodo ou convenção ou equivalente. uma derivação direta é a fiscalização acirrada por parte da congregação de todos os aspectos da igreja. Coisa que agora estamos começando a fazer em nossa sociedade sobre o poder publico, após tanta passividade.

A difusão ideológica:

A Igreja Católica exige sobretudo um compromisso ritual, admitindo múltiplas doutrinas entre seus fieis. A diversas denominações protestantes exigem uma unidade doutrinaria. Parece muito com a falta de base ideológica de nossos partidos. Paises protestantes parecem ter menor diversidade ideológica, mas sem duvida maior coerência em seus partidos políticos.

Peço que por favor não encare isso como desrespeito ou condenação do catolicismo.

E agradeço sua atenção, sendo uma honra manter um diálogo sobre esse ou qualquer outro assunto.
Roberval Guerreiro

Caro Senhor Roberval,

Suas observações são bem vindas, sobretudo pela fineza com que foram colocadas. Tenho freqüentemente visto certa animosidade de pessoas protestantes contra os seguidores do Papa, o que não é o seu caso. As rivalidades históricas das igrejas cristãs é uma das coisas que muito me entristece e rezo para que a unidade perdida possa voltar, para o bem da nossa civilização e em obediência a Deus: "Um só rebanho, um só pastor".

Por outro lado, o movimento protestante colocou questões supervenientes para certas ações da hierarquia da Igreja que, em alguns momentos históricos, derivaram para os abusos e os absurdos. Creio que Paul Jonhson tem razão ao apontar a perda de algumas oportunidades históricas para que a unidade perdida pudesse ter voltado. Entendo até que essa unidade pode se dar dentro do ecumenismo sensato e inteligente que muitas das igrejas têm cultivado, ecumenismo perseguido também pela Igreja Católica.

Quanto a algumas das suas questões específicas, pontuo-as abaixo.

1- A instituição do apadrinhamento:

Homenagear os santos, aquelas pessoas que pelo seu exemplo de vida moral e pelo seu saber fizeram prosperar a fé em Cristo é uma tradição muito antiga que ajuda na exaltação por uma vida mais santificada e de acordo com os Evangelhos. Essa religiosidade popular precisa ser compreendida, pois ela enfatiza o laço da união do homem com Deus. Não sou teólogo e minha cultura teológica é muito pobre, mas percebo um valor religioso e psicológico profundo nessa maneira de ser da Igreja Católica. Cada comunidade pode ter a sua referência de santidade entre os seus, mantendo a unidade na pluralidade.

2- A tentativa de resolver problemas com a lei pelo mesmo meio:

A Bíblia é a revelação da Palavra em sucessivos momentos e forma uma ciência completa a sua compreensão. É muito complexa. Basta lembrar que apenas em Jonas a Misericórdia divina supera a sua Justiça. Para um leigo, a Bíblia pode parecer algo bem contraditório, especialmente quando cotejamos os diversos livros e os diversos momentos em que os foram escritos. Pode a mulher ser pior que a morte? Está dito lá no Eclesiastes. Lido fora do contexto e da exegese, é uma agressão a todo o gênero feminino. Um Davi rufião e matador sanguinário pode ser um exemplo para um cristão? O traidor de Urias? Creio que não. Então não se pode dar a qualquer um o poder de fazer uma leitura literal sem alguém que "sabe" a instruí-lo, um estudioso, um sacerdote, um patriarca. Vejo a figura do Papa como sendo alguém que pode dirimir dúvidas e esclarecer além das contradições aparentes.

Quanto à questão de saber a quem está o alcance da salvação é matéria que divide os cristãos desde os primórdios. Poderá o homem aperfeiçoar-se para agradar a Deus? É a perfeição alcançável em vida? Poderá o homem superar o pecado original sem a Graça? Quantos serão os eleitos, só aqueles previstos por João no Apocalipse? Ou toda a Humanidade? Ou aqueles escolhidos ao critério exclusivo de Deus? A disputa entre Paulo e os Apóstolos no Concílio de Jerusalém já mostrava uma profunda divergência, felizmente prevalecendo a visão paulina, sem a qual a cristianismo perderia o seu caráter supranacional e supraracial. Eu creio que a visão de Agostinho e de Lutero sobre a salvação é a correta.

3- A tradição ditatorial de nosso país:

Meu amigo, há uma hierarquia natural e aos esclarecidos deveria caber o governo. Essa discussão remonta a Platão e foi retomada pelos Patriarcas, pois não tem como ser deixada de lado. Há que haver uma ordem e é melhor que essa ordem seja determinada pelos homens tementes a Deus, mais esclarecidos. O mal está em todo lugar e sobretudo no Estado. Quanto mais laico e distante da Palavra, maiores serão os seus crimes. O Mal Absoluto encarnou nas revoluções, que entronizaram a deusa Razão. O comunismo e o nazismo, fés atéias e laicas, foram os autores dos maiores crimes de todos os tempos no Ocidente, não podemos esquecer que tiveram como objetivo principal destruir os valores cristãos.

As guerras religiosas na Europa, especialmente na Inglaterra, mostraram que uma fé obtusa e inflexível, irracional, leva à guerra de extermínio, algo bem distante da mensagem de Nosso Senhor Jesus Cristo. O governo teológico de Calvino não foi um exemplo de piedade.

4- A difusão ideológica:

Meu amigo, os protestantes é que quebraram a unidade ideológica da Igreja, se é que podemos chamar assim. Foram os primeiros que abriram as fileiras para que membros das seitas do Anti-Cristo, como os adeptos da Teologia da Libertação, passassem a ser ouvidos e a obter seguidores. Quanto ao ritual, não podemos subestimar o seu valor como memória, celebração e como santificação da comunidade em comunhão. Deus é solene. Eu lamento profundamente o aggionarmento da Igreja Católica, pois a sua principal conseqüência foi a perda dessa solenidade impositiva que é invocar Deus e saber da sua presença no meio dos homens. Batuques e música de má qualidade não estão de acordo com a dignidade divina, na minha modesta opinião.

Quanto à coerência dos partidos com predominância protestante, não é a experiência brasileira. O PL, por exemplo, partido eminentemente evangélico, virou linha auxiliar do PT, partido comprometido com a destruição dos valores cristãos, como ademais todos os partidos revolucionários. Onde há coerência?

Receba os meus cumprimentos cordiais.

Nivaldo Cordeiro.

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